No
primeiro texto, falei dos primórdios das Copas do Mundo. Agora, chegamos ao
período mesozoico dos Mundiais.
Chegamos ao período mesozoico dos Mundiais entre 1966 e 1990. |
Colaboração
de texto: Rodrigo Focaccio/Produtor de conteúdo, consultor de comunicação e
empreendedor
Colaboração
de foto: Juan Guerra/Museu do futebol
Desataque
para a Copa do Mundo de 1970 que, além de ter a exuberante seleção brasileira
tricampeã, foi um ponto de virada no futebol enquanto esporte e entretenimento.
1966
Pela
primeira vez, a porrada se tornou uma estratégia clara para se vencer uma
partida. A seleção brasileira apanhou muito de Bulgária e Portugal e acabou se
tornando o primeiro campeão eliminado na primeira fase do Mundial seguinte.
Ainda assim, a desordem na preparação da equipe, o que não era exatamente uma
inovação para o Brasil, teria mais culpa no vexame do que os pontapés gringos.
Estreavam também as transmissões ao vivo dos jogos e as polêmicas de arbitragem
ganharam ainda mais evidência. A Inglaterra ganhou seu primeiro e único título
com um gol irregular na final contra a Alemanha, mas também inovara ao utilizar
uma tática que privilegiava uma defesa consistente. Neste Mundial, uma confusão
obrigaria à FIFA inovar para a Copa do Mundo seguinte. Durante a partida entre
Argentina e Inglaterra, instalou-se uma confusão depois que o zagueiro celeste
Perfumo foi expulso. O juiz alemão não entendia espanhol e os argentinos não
conseguiam falar alemão. Foi então que a FIFA decidiu por utilizar, no Mundial posterior,
os cartões amarelos e vermelhos para melhorar a comunicação dentro da cancha.
Conta-se que a ideia surgiu do árbitro inglês Ken Aston um dia depois do jogo,
ao parar em frente a um semáforo.
1970
Boas
vindas às cores. A bola deixava de ser marrom para ser branca e com detalhes em
preto. Pela primeira vez a Copa seria transmitida pela TV em cores. Uma
inovação que certamente transformaria o consumo do esporte como produto. E como
conspiração dos deuses foi justamente nesse Mundial que surgiu, para muita
gente, a seleção mais plástica e artística de todos os tempos: o Brasil de
Pelé, Gérson, Rivelino, Jairzinho, Tostão e cia. Também foi a primeira Copa que
utilizou o sistema de cartões depois da confusão no campeonato anterior e
inaugurou as substituições de jogadores durante as partidas, provavelmente uma
resposta à pancadaria da última edição. Pela primeira vez, os torcedores
colecionavam as figurinhas dos jogadores em álbuns ilustrados produzidos pela
Panini. Com a disputa na altitude do México, a ciência ganhava papel mais
relevante na preparação da seleção brasileira e a equipe fez treinos novos e
específicos para jogar no México. A seleção também se consagraria como o
primeiro país a conquistar a taça Jules Rimet por três vezes e, assim, ganhá-la
em definitivo. O fato provocaria outra situação inédita, em 1983: o roubo da
taça da Copa do Mundo. Fora dos campos, enquanto a Ditadura brasileira
torturava e matava oponentes do regime militar e artistas precisavam acompanhar
o Mundial fora do país por conta do exílio, o governo utilizava o futebol como
propaganda do seu “milagre econômico”.
1974
Com
a conquista definitiva da Jules Rimet, estreava a nova taça da Copa do Mundo. A
seleção da Holanda, liderada por Cruyff, Neeskens e o treinador Rinus Mitchell
trazia uma das maiores inovações táticas que o futebol havia presenciado. A
Laranja Mecânica, como ficou conhecida, também eternizou expressões como
“carrossel holandês” e “futebol total”, no qual os jogadores não guardavam
posições fixas. A Holanda inovou também ao permitir que seus jogadores pudessem
levar esposas e namoradas para o Mundial, se afastando da cultura um tanto
militar do esporte. Provavelmente atordoado com o futebol dos holandeses, o
zagueiro Luís Pereira se tornou o primeiro brasileiro a levar um cartão
vermelho em Copas do Mundo, na partida semifinal vencida pelos laranjas por 2 a
0. Nenhuma novidade era o desdém do futebol contra os favoritos. A Alemanha
levaria o título da Holanda, vinte anos depois de ganhar de outra favorita, a
Hungria. Com a tomada de poder da FIFA por João Havelange, o futebol passaria a
ser considerado, nas palavras do próprio dirigente, "um produto" e se
iniciava, oficialmente, sua expansão para se tornar o esporte mais popular do
planeta. Havelange também inaugurava uma longa dinastia no poder e só sairia da
presidência da FIFA em 1998.
1978
A
essa altura uma ditadura militar tentar se promover às custas do futebol não
era inovador. Mas o regime militar argentino seguiu a receita na Copa disputada
em seus domínios e foi incapaz de esconder alguns problemas de organização. A
seleção da Holanda não tinha mais a mesma surpresa de quatro anos antes e,
mesmo assim, chegou à final. Acabou derrotada pelos donos da casa. A vitória
dos argentinos também inaugurou um novo capítulo do futebol dedicado às teorias
das conspirações, não tanto pelo jogo final, mas por sua classificação. Contra
o Peru, uma das melhores seleções daquele Mundial, os donos da casa venceram
por 6 a 0 em um jogo que teve o horário da partida alterado sem mais nem menos,
um goleiro argentino naturalizado e muitas desconfianças que permanecem no ar
até hoje. É possível que esse tenha sido também a primeira Copa em que um juiz
encerrou a partida com a bola no ar. No jogo entre Brasil e Suécia, Zico
marcaria um gol de cabeça depois da cobrança de escanteio. Mas o juiz anulou,
alegando que já havia encerrado a partida. O Brasil foi eliminado do torneio
invicto. Desde então, as teorias conspiratórias seguiram aparecendo em outras
Copas, mas não com a mesma força. Pela primeira vez, o regulamento permitia que
uma partida fosse desempatada na decisão por pênaltis, mas a primeira disputa
só se daria na edição seguinte. A seleção da Tunísia se tornou a primeira
seleção africana a vencer um jogo de Copa (3 a 1 no México).
1982
Na
Espanha, aconteceu a primeira Copa do Mundo com 24 seleções (antes eram 16), o
primeiro Mundial em que todos os continentes estavam representados. Foi nessa
edição que aconteceu a primeira decisão por pênaltis para decidir uma vaga:
Alemanha Ocidental eliminou a França com tiros da marca fatal com bolas que,
pela primeira vez, teriam costuras seladas que as deixavam impermeáveis, mas
que não explicam os 10 a 1 da Hungria sobre El Salvador, a maior goleada de
todas as edições de Mundiais. Do lado dos dirigentes, o príncipe do Kuwait e
presidente da federação local, Fahd Al-Ahmed Al-Jaber Al-Sababe, inovou ao
criar um novo expediente para alterar o resultado de uma partida. Invadiu o
campo para protestar contra um gol dos franceses na segunda rodada e convencer
o bandeirinha a voltar atrás da marcação. Mesmo assim, não impediu a derrota do
Kwait para os Azuis. Do lado da arbitragem, Arnaldo César Coelho se tornou o
primeiro juiz não europeu a apitar uma final de Copa do Mundo. O lateral
brasileiro Júnior também inovou. Elevou definitivamente o pagode como trilha
sonora das seleções brasileiras ao se lançar também como cantor e colocar nas
paradas uma música que se tornaria o hino daquela seleção, chamada de “Povo
Feliz” só que bem mais conhecida como “Voa Canarinho, voa”.
1986
Antes
mesmo de começar, a Copa já contava com um fato inusitado: a Colômbia,
país-sede, abandonava sua condição de anfitriã por problemas políticos e a Copa
do Mundo voltava ao México, onde a torcida local criaria a Ola nos estádios.
Pela primeira vez as partidas seriam disputadas com uma bola totalmente
sintética. Maradona inventava uma nova forma de fazer gols (ao menos em um jogo
decisivo de Copa): com a mão de Deus. Mas também era capaz de inovar cada vez
que pegava na bola com o pé esquerdo e era capaz de inventar espaços
inexistentes como no gol que deu o título aos argentinos. No sol escaldante do
México, jogo empatado em 2 a 2, e Dieguito vê uma brecha estreita para lançar a
bola entre os marcadores e deixar o companheiro Burruchaga cara a cara com o
goleiro Schumacher. Os pênaltis começavam a se tornar um martírio para craques:
Sócrates, Zico e Platini desperdiçaram suas cobranças em uma mesma partida. As
transmissões de TV também passariam a comandar a programação dos jogos. Sob o
calor massacrante do meio-dia, os jogadores foram obrigados a disputar jogos
para beneficiar a grade televisiva das emissoras, inclusive a partida final.
Longe dos gramados, mas especificamente na estratosfera, a ciência descobriria
o primeiro buraco na camada de Ozônio.
1990
Depois
de inovar com um gol de mão, Maradona criava um jeito de jogar com uma perna
só. Machucado, ele liderou a Argentina até a final e conseguiu enfiar uma bola
para Caniggia eliminar o Brasil nas oitavas-de-final. Os alvicelestes seriam
derrotados pela Alemanha. que se tornaria a segunda seleção tricampeã do mundo.
O Mundial na Itália teve a pior média de gols (2,21) de todas as Copas e há
quem a considere o auge do "futebol de resultados", no qual o importante
era vencer e nao dar espetáculo. A consequência seria uma das principais
inovações do futebol moderno: 1990 seria a última Copa em que a vitória valeria
apenas dois pontos e seria muito mais difícil se classificar só com empates. O
Mundial da Itália também veria pela última vez as seleções da Iugoslávia,
Tchecoslováquia e União Soviética, desintegradas depois da queda do Muro de
Berlim e o fim do comunismo na Europa.
(No
próximo texto, chegamos a Era Contemporânea do futebol, entre as Copas do Mundo
de 1994 até 2018)
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